terça-feira, 8 de março de 2016

PABLO VILLAÇA E AS VERDADES RELATIVAS

O texto abaixo é  de autoria do escritor Pablo Villaça, o seu teor é de uma clareza e profundidade excepcionais ao denunciar as contradições e as hipocrisias fascistas de pessoas, partidos e corporações e incriminar, também, as verdades relativas da grande mídia brasileira caracterizada pela perspectiva de mudança da verdade de acordo com seus interesses privados e particulares ao falar do tratamento ambíguo que a "Mãe de Todas As Manipulações" deu ao senador Delcídio do Amaral, da judicialização da política e com um tapa de luvas de pregos, digo, com luvas de pelica deu na cara da Luciana Genro com o seu pensamento de esquerda anacrônico, jurássico, dissociativo da realidade do Brasil e da América Latina e, principalmente, teórico e como disse  Friedrich Engeles:
"Um grama de ação vale mais do que uma tonelada de teoria"
E conclui o texto com uma brilhante frase:
"Há momentos nos quais fazer a História é mais importante do que comentá-la. Este é um deles."

Eis o texto a seguir:

Pablo Villaça é escritor, diretor, roteirista e crítico de cinema.
Aqueles que me acompanham há algum tempo sabem que frequentemente escrevo sobre a necessidade da serenidade na política. Inúmeras vezes falei que não era aceitável tratar oponentes políticos como inimigos. Salientei que o debate não se faz com violência.

Infelizmente, se sempre adotei esta postura de forma natural, sem qualquer esforço, nos últimos dias passei a ter que me obrigar a mantê-la. Se os acontecimentos de quinta/sexta-feira conseguiram algo, foi radicalizar até mesmo quem se orgulhava da moderação.

Na quinta-feira, uma delação não homologada (e que, mesmo se fosse, deveria ser sigilosa) foi publicada na IstoÉ. Enquanto o suposto delator se recusou a confirmá-la, o procurador-geral da república, que seria o responsável por fazê-la, foi mais enfático:  negou sua existência. Isto não impediu a Globo e suas cúmplices de transformarem a tal "delação" em destaque absoluto. Se Delcídio antes era retratado por elas como um sujeito sem escrúpulos, imediatamente sua palavra passou a ter peso de lei - não eram necessárias mais quaisquer provas; Delcídio havia afirmado e pronto. Até que, claro, ele se negou a confirmar a delação e voltou a ser sumariamente ignorado.

Já na sexta-feira de madrugada, por volta de duas da manhã, o editor da Época (ligada à Globo), que há muito já deixou de sequer simular qualquer objetividade jornalística, tuitou duas vezes sobre a ação da PF que só aconteceria horas depois. Uma ação que, de novo, deveria ser sigilosa, mas sobre a qual a imprensa já havia sido informada há dez dias (como comprovou a denúncia feita pelo blogueiro Eduardo Guimarães uma semana antes). Antes que a PF chegasse ao apartamento de Lula, um helicóptero da Globo sobrevoava seu apartamento e repórteres da Foxlha esperavam na porta. Já os ADVOGADOS do ex-presidente ainda não haviam sido notificados.

Mas o abuso maior estava por vir: sem ter sido sequer intimado previamente, Lula foi submetido à humilhação do depoimento coercitivo - um abuso tão grande de poder que até dois ministros do STF (um deles historicamente crítico à esquerda) condenaram a ação, bem como juristas respeitados e até mesmo (pasmem) um dos fundadores do PSDB, Bresser Pereira.

O abuso, claro, foi ignorado pela Globo e suas comparsas; o Jornal Nacional chegou a aumentar em meia hora sua duração para celebrar a ação. Já no sábado, quando a sede do PT foi atacada em Belo Horizonte, a Globo chamou de "protesto" o que era claramente um ato de violência - e quando algo similar aconteceu em outra capital, a emissora ENTREVISTOU os "manifestantes".

Por outro lado, quando manifestantes se posicionaram diante dos prédios da emissora neste domingo, foram chamados de "milícia" e os colunistas Merval e Noblat chegaram a convocar OS MILITARES pra combater a "turba".

Como manter a serenidade assim? Como tentar se manter ponderado quando passamos a viver em um país no qual a oposição agora, mesmo perdendo nas urnas, se vê no direito até de dizer quem pode ou não ser ministro? No qual a mídia escancarou de vez o objetivo de destruir toda a esquerda? No qual um juiz, "premiado" pela Globo e celebrado por tucanos, usa o poder judiciário para perseguir os inimigos políticos das corporações?

Um país no qual investigações e notícias são seletivas? A funcionária-fantasma de Serra já foi esquecida; os apartamentos no exterior e as remessas feitas por offshore por FHC não são mais discutidos; o helicóptero com 500kg de pasta-base virou anedota; o aeroporto construído na fazenda da família do senador é passado; o merendão tucano é só uma expressão sem significado; o cartel dos trens depende mais das ações da justiça suíça do que da brasileira; a sonegação bilionária de impostos da Globo virou apenas meme; a operação Zelotes decidiu que investigar a RBS (e a Globo) é bobagem; etc, etc, etc.

E é neste momento, quando apontamos a impunidade da direita e das corporações, que alguém invariavelmente diz: "Um erro não justifica o outro! TODOS devem ser investigados!" - uma das mais frequentes manifestações de cinismo vistas na rede. Sim, cinismo. Porque quem diz isso SABE que não, NÃO são todos que são investigados. É como um sujeito que, vendo o primo bater num vizinho todos os dias, diz que ninguém deve interferir na briga, pois o outro garoto também pode bater se quiser - mesmo sabendo que ele não tem condições semelhantes para lutar.

Esta lógica particular é a mesma que ocorre nas ofensas diárias na rede. Se critico a direita, sou "vendido"; se critico a esquerda, é porque "o boleto venceu", "a mesada foi suspensa", "a mortadela acabou", etc. Na mente desta neodireita, não há ideologia, há apenas jogo de interesse e recompensas financeiras - uma postura despolitizada, alienada, que encontra reflexos nos "argumentos" com os quais lotam as caixas de comentários: "Chola mais", "Fora PT", "Dilmanta", "o Brahma", "Pixulecos" e por aí afora. Detalhe: estas expressões não são apenas a introdução do que será um argumento, mas o argumento em si.

"Lá vem você falando de 'nós' e 'eles', de 'direita' e 'esquerda' de novo! O Lula está separando o Brasil! Vocês estão dividindo o país!" - é o "argumento" que vem a seguir. A Globo e seus asseclas, ao lado de um judiciário aparelhado pela direita, atacam a esquerda dia e noite, massacram qualquer figura que se destaque neste lado do espectro político, mas é a esquerda que está "dividindo" o país ao reagir. O que eles querem dizer é: "aceitem o que estamos fazendo. Se não aceitarem, dividirão o Brasil!". E então se enrolam na bandeira, cantam o hino nacional, enchem suas bios de palavras como "patriota", "amo meu país" e de outros sintomas do nacionalismo mais fascista enquanto espalham memes sobre como qualquer um que defenda esta ou aquela ideia, que critique este ou aquele partido, é "defensor de bandido", deve "ir pra Cuba" e - um que vi hoje - deve ser demitido do emprego, qualquer que seja este.

E o mais triste? Em vez de perceberem o que está acontecendo, setores da esquerda preferem ficar em cima do muro ou mesmo aproveitar a situação para atacarem antigos aliados. No dia da condução coercitiva de Lula, Luciana Genro soltou uma nota que é um primor de cinismo: em vez de denunciar o abuso, preferiu afirmar que "há muito Lula não é de esquerda".

E DAÍ, Luciana Genro? Vivo escrevendo que o governo Dilma e o PT não são de esquerda - e há pouco mais de dez dias escrevi um texto atacando pesadamente o governo por sua traição na questão do pré-sal que foi lido por mais de um milhão de pessoas e compartilhado algumas milhares de vezes. Mas uma coisa garanto: por mais decepcionante que PT e Dilma sejam, ainda são mais esquerdistas do que a Globo, o PSDB e as elites desejam. Bem mais. E se você acha que não, espere para ver o que os programas de inclusão social sofrerão nas mãos desse pessoal.

E o que Luciana Genro e semelhantes esperam com isso? Que a direita destrua o PT e Lula e, então, permita que o PSOL se torne o grande representante da esquerda brasileira? Mesmo?

A mídia e a direita escancararam a guerra; agora chegam a pedir ação dos militares contra aqueles que ousam desafiá-las. Não há mais "em cima do muro".

Há momentos nos quais fazer a História é mais importante do que comentá-la. Este é um deles.


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